terça-feira, 23 de agosto de 2011

Campanha - Lembrando as vítimas da Ditadura - Manuel José Nunes Mendes de Abreu


MANUEL JOSÉ NUNES MENDES DE ABREU (1949-1971)
Filiação: Dulce Souza Mendes de Abreu e José Pereira de Abreu
Data e local de nascimento: 01/01/1949, Rossio do Sul (Portugal)
Organização política ou atividade: ALN
Data e local da morte: 23/09/1971, São Paulo (SP)
No dia 23/09/1971, quatro militantes da ALN caíram em uma emboscada montada pelos órgãos de segurança na rua João Moura, em frente ao número 2358, bairro do Sumarezinho, na capital paulista. Ana Maria Nacinovic Corrêa era a única mulher do grupo e conseguiu escapar e sobreviver, descrevendo os acontecimentos aos seus companheiros, antes de ser também executada no ano seguinte. Da ação, resultaram mortos Antonio Sérgio de Matos, Manuel José Nunes Mendes de Abreu e Eduardo Antônio da Fonseca. A versão oficial foi de que os três militantes morreram no local, ao tentar assaltar um jipe do Exército.
Conhecedores da tática que vinha sendo utilizada recentemente pelos grupos de guerrilha urbana em São Paulo, que consistia em improvisarações armadas, alterando a prática anterior de sempre realizar levantamentos prévios, os órgãos repressivos também inovaram em seu padrão. Prepararam uma emboscada naquele endereço, colocando como isca um jipe do Exército que aparentava problemas mecânicos, com um ou dois soldados à volta, portando ostensivamente fuzis-metralhadoras, tipo de arma que era alvo de grande interesse das organizações armadas. Utilizando caminhão-baú de uma conhecida empresa jornalística, vários agentes do DOI-CODI aguardaram em posição de tocaia. Ao tentar subtrair as armas, dando ordem de rendição aos soldados, o grupo da ALN foi surpreendido pelos agentes de segurança entrincheirados, que abriram fogo, fuzilando os membros do comando guerrilheiro.
Antonio Sérgio estudava Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro quando iniciou sua militância política no Movimento Armado Revolucionário - MAR. Fazia parte da Associação de Auxílio aos Reclusos, que prestava assistência aos presos políticos. Em 1969, tinha colaborado para a fuga de nove presos políticos da Penitenciária Lemos Brito, já mencionada neste livro-relatório, pelo que foi obrigado a viver na clandestinidade. No final de 1970 passou a atuar em São Paulo, tornando-se dirigente regional da ALN. Documentos dos órgãos de segurança do regime militar o incluem como um dos participantes da execução do industrial Henning Albert Boilesen, dirigente do grupo Ultra e financiador da Operação Bandeirante.
Eduardo ainda era secundarista em 1968, em Belo Horizonte, quando se ligou a um pequeno agrupamento de esquerda denominado PSRB – Partido Socialista da Revolução Brasileira. Em 1969, esse grupo se desfez e Eduardo se filiou à Corrente/MG, que em seguida se incorporaria à ALN. Ao final do mesmo ano, com a prisão de ativistas da Corrente, teve de passar à militância clandestina e mudou-se para São Paulo, participando de inúmeras ações armadas da ALN, conforme registros dos órgãos de segurança.
Manuel José, nascido em Portugal, foi estudante da Escola Politécnica da USP, onde despertou para atividades do Movimento Estudantil e rapidamente passou à militância política clandestina. Nos documentos reunidos pela CEMDP não foi possível localizar mais dados biográficos desse estudante de Engenharia, nem dos outros dois militantes mortos na mesma data.
Os processos referentes aos três casos foram analisados em conjunto na Comissão Especial. Houve muitas controvérsias e intensos debates, com voto inicial de indeferimento e mais de um pedido de vistas. Apesar de terem ocorrido três mortes violentas, causou muita estranheza a integrantes daquele colegiado não ter sido realizada nenhuma perícia de local. As requisições de exame ao IML foram assinadas pelo delegado do DOPS Alcides Cintra Bueno Filho e os laudos necroscópicos pelos legistas Isaac Abramovitc e Antonio Valentini, conhecidos campeões de laudos que, invariavelmente, buscaram legitimar as versões farsantes divulgadas pelos órgãos de segurança.
Contradições e indícios de execução após terem sido feridos foram detectados nos próprios documentos oficiais. Antônio Sérgio e Manuel teriam sido encontrados mortos às 16h, enquanto Eduardo teria sido encontrado às 15h. Os corpos dos três deram entrada no IML às 18h40, apesar de o local da emboscada ser muito próximo à sede do IML paulista. No laudo de Antônio Sérgio, os legistas relatam dois ferimentos à bala, no pescoço e traquéia, e descrevem ferimentos não causados por arma de fogo, feitos por instrumento não identificado, mas que leva a supor que tenham sido feitos com proximidade física do agressor. Indício eloqüente de tortura ou espancamento.
O laudo de Eduardo apresentava dois tiros na região glútea e dois nas pernas, capazes de imobilizá-lo, mas jamais de provocar a morte imediata. O corpo de Manuel apresentava orifício de entrada de projétil de arma de fogo na face dorsal da mão direita, característico de reação de defesa para disparo à curta distância. E ainda um orifício de entrada de projétil na altura do omoplata esquerdo, com saída na face anterior do hemitorax esquerdo após fraturar a clavícula e os segundo e terceiro arcos anteriores esquerdos – tiro dado de cima para baixo e, pela descrição da trajetória, poder-se-ia deduzir que disparado quando a vítima estava dominada e de joelhos. Escoriações nos dois joelhos e no nariz foram anotadas pelos legistas.
As fotos dos corpos mostraram equimoses e edemas não descritos. A de Antônio Sérgio exibia apenas o rosto, com o tórax encoberto e um objeto junto ao pescoço, que se assemelha a um gancho. A de Manuel José mostrava evidentes sinais de tortura, sendo que nenhum dos tiros que recebeu seria fatal. Como e onde morreram, não foi possível determinar pelos documentos apresentados.
Os processos foram relatados em conjunto, mas as discussões e votações se deram em separado. O relator votou pela aprovação do processo de Antônio Sérgio e Eduardo Antonio. O de Manuel José havia sido protocolado fora do prazo, o que impedia o deferimento, por ser intempestivo, apesar de que, no mérito, preenchia os critérios exigidos pela lei para aprovação. Houve pedido de vistas aos processos por Luís Francisco Carvalho Filho e, posteriormente, pelo general Oswaldo Pereira Gomes.
Nilmário Miranda e Luís Francisco destacaram que as lesões sofridas e descritas nos laudos cadavéricos não indicavam que o óbito dos três militantes tinha sido imediato. Mesmo tendo ocorrido o tiroteio alegado, havia fortes indícios de que um ou dois deles não morreram no local, permanecendo vivos em poder dos agentes públicos até a morte. Não foi essa, entretanto, a opinião da maioria dos integrantes da CEMDP. Somente o processo de Eduardo Antonio da Fonseca foi aprovado nessa primeira fase, registrando-se voto contrário do general Osvaldo Pereira Gomes. Os outros dois casos foram reapresentados posteriormente, obtendo deferimento em 2004.

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